sexta-feira, 3 de abril de 2009

O Segredo


Estaciono junto ao rio Tejo com vista soberba para as margens de Lisboa e Almada. Junto á margem este do rio passeiam casais enamorados dando as mãos clandestinamente, crianças esfomeadas de energia saltitante e os mais velhos, para quem o tempo tem passado vincadamente no seu corpo usado pelas décadas passadas. Do alto, o sol reflecte todo o seu brilho sob a penosa folia ventosa que rodopia ao tom do compasso de um assobio. Olho ao espelho. Não reconheço quem me olha. Seu olhar sem brilho mais parece um rastilho pronto a acender. Seu sorriso sem réstea de alegria permanece enjaulado para domesticação. Retiro o estojo cor-de-rosa e começo a transformação. O lápis preto inicia a magia dando lugar aos brilhos catatónicos finalizando com o contraste cor de caramelo no preenchimento da definição da linha carnuda do poder. Gotas perfumadas a flores, acabadas de colher, com leve traço a incenso de canela pairam sob o pescoço até á linha de sedução. Passo os dedos pelo rebelde cabelo encaracolado como se ele fosse ficar muito diferente do usual e coloco um gancho na madeixa de cabelo que tem tendência para me enervar. Olho ao espelho. Falta apenas o retoque final. Ajeito o colorido top estonteante e o busto fica absolutamente perfeito para o momento, nada de exageros ou cobertura total apenas o toque certo e a medida ideal. O triângulo encantadamente sedutor fica concluido. Olho ao espelho. Reconheço quem me olha. Seus grandes olhos revelados cintilam ao tom da amadurecida jabuticaba acabada de colher. Seu sorriso fluente e inebriante ilumina o dia de quem tem o privilégio de o contemplar. Calço os saltos agulha, verdes erva, em sintonia com todo o conjunto borboleta apresentado. As assas...essas estão marcadas no meu corpo, mente e alma. De forma pausada, traço o meu caminho até ao parque com as árvores bonzai anciãs onde o túnel grená faz a passagem. Uma porta deformada simétricamente com hieróglifos primários dá as boas-vindas ao mundo secreto. Subo o primeiro degrau dourado...uma paz profunda assola-me. Subo o segundo degrau dourado intenso...o meu corpo estremece. Fico parada no terceiro reluzente degrau...o aroma da felicidade e da liberdade é sentido em todo o seu esplendor. O que era um parque aos meus olhos passou a floresta encantada no consciente. Dou o passo em frente...todo o corpo possui uma leveza in natura primordial. Passeio pelas bonitas copas floridas, por entre vegetações revestidas, cataratas fascinantes, vidas significantes que borbulham a cada rodopio do assobio. A meu lado, pequenas maravilhas acompanham-me ao sabor do compasso musical trauteado pela feudal clave estrelar. Uma onda de forte dimensão leva-me a planar na sua direcção. Avisto um clarão sem proporção sob a face de quem me espera. Aterro sem noção, completamente adormecida pelo encantamento da luz ancestral. Tento falar e tudo o que consigo fazer é soltar as mais belas borboletas que estavam presas no meu interior. Elas tomam um único rumo...chamar a atenção do segredo. Um eterno segundo seguido de uma brisa avassaladora foi o suficiente para o enamoro primaveril do mistério.

3 comentários:

Margarida disse...

Muito bom...ai ai
Beijos
Maggy

Fernando disse...

Onde fica o tal jardim...?

Beijo
F.

Sorriso de Lágrimas disse...

O jardim fica no meu inconsciente.

Beijos